Frostpunk traz frieza em decisões contra o relógio

O frio, as horas e as escolhas pesam neste game multiplataforma – e na vida dos cidadãos

Se levarmos em consideração que Frostpunk está circulando em PC, Xbox e PS4 desde 2018, totalmente perdi o momento de escrever uma análise sobre o jogo – que até esteve na lista de games do Amazon Gaming Pass, oferecido a quem tem uma conta Prime. Quem acompanha a rotina do polonês Studio 11 bits, já sabe faz tempo que a sequência já tem um belo trailer, sinalizando que a matriz energética migrará do carvão para o petróleo.

Dizer que o Frostpunk é muito bom seria pouco e seria notícia velha. Muita gente já analisou o game bem mais a fundo do que eu farei por aqui. Há ótimas resenhas, como esta aqui em português do Canaltech e este artigo em inglês na PC Gamer UK. Então, desejo explorar aqui aspectos do título que encontro também fora dele – seja na vida pessoal, em comunidade ou na profissional.

Se você nunca ouviu falar do Frostpunk, pode ter uma boa ideia conferindo uma partida por aqui da IGN e conferir o trailer de lançamento. Resumindo, é um simulador de cidades em que um apocalipse gelado engoliu o mundo. A premissa é que, sob sua liderança, a população de algumas centenas de pessoas em um período utópico da era vitoriana sobreviva a temperaturas cada vez mais baixas, amparadas por um grande gerador no centro da cidade que mantém os corações aquecidos com esperança de dias melhores.


Escassez e tic-tac do relógio pressionam destino da cidade

O relógio e a previsão do tempo fundamentam as decisões ao longo do jogo. Ter alguma visibilidade do futuro sobre as temperaturas permite priorizar ações mais apropriadas para promover e desenvolver seu povoado. Uma tempestade, por exemplo, poderá interromper a produção de alimentos para a população, assim como elevar o número de internados em tendas médicas.

Aí cabe ao líder usar o pouco tempo que lhe resta entre o presente e o futuro imutável para superar os desafios identificados – e outros que surgem no meio do caminho. No universo do game, ampliar a rede de saúde e estocar rações são saídas apropriadas, mas com enorme frequência os recursos não são abundantes. Faltam pessoas, instalações, matéria-prima, tempo e condições climáticas favoráveis.

Fora do contexto do jogo, essa situação se repete: os objetivos são audazes e os recursos, limitados. Gerir o orçamento doméstico, concluir um projeto acadêmico, cozinhar, curtir um sábado com a família. Muito disso implica em ter um objetivo definido com base em um entendimento da condição presente e o que se espera alcançar no futuro. Muitas vezes o que se deseja é uma sensação de alegria e satisfação que não esteja apenas no futuro, mas também seja percebida no presente enquanto se toma as escolhas “corretas”. Se a alegria estiver só no pote de ouro no final do arco-irís, então é bom separar algumas moedas de ouro para o analista tratar a ansiedade. Decisões não fundamentam apenas o futuro que se avizinha, mas também o momento presente – e geram impactos de curto prazo também.

Rola uma retrospectiva bacanuda após fechar um cenário.

As percepções ditam a “melhor” decisão, que pode ser a pior saída

Os cidadãos são vistos em Frostpunk a uma certa distância – não é possível enxergar claramente expressões e detalhes sobre como se sentem. Até que, surge uma necessidade urgente e então o povo aparece em close na cara do líder – em um primeiro momento, de forma um pouco mais amena e então gritando em tela cheia com artes bem bonitas que dizem que ou você supera a situação ou é rá-ré-rí-ró-RUA e você não tem ideia do frio que tá fazendo lá fora.

Sempre há uma solução rápida proposta por algum especialista ou pessoa impactada pela situação difícil no game para resolver um problema que atinge a comunidade, mas há de se julgar se essa será a saída mais apropriada. Não quero estragar a graça do game, mas adianto que há decisões morais mesmo em um contexto de século XVIII. Um simples “sim”, e lá vão os menores trabalhar com atividades que não os colocam em risco. Um outro “sim” e vá saber aonde irão parar...

Outro aspecto curioso do título é o quanto essas escolhas tornam a gestão mais ou menos sustentável. Crianças feridas no ambiente de trabalho, por exemplo, trazem um impacto negativo na forma como os moradores veem o futuro e como qualificam a sua gestão no presente.

Ao trazer essa reflexão para o dia a dia do mundo real, há a infinidade de maneiras de lidar com temas novos e/ou difíceis que se acumulam em nossas agendas, caixa de entrada e relacionamentos pessoais e profissionais. Se olharmos unicamente a pressão do tempo e os recursos escassos, há um estímulo por resoluções rápidas que perdem a reflexão ponderada dos resultados que vão gerar lá na frente ou, ainda, um sentimento de frustração e angústia diante daquilo que não se vê forma de mudar. Um caminho melhor não necessariamente é o mais rápido para resolver. A resolução se baseia em análise e experiências passadas. Sem tempo e recursos para analisar uma dificuldade, sobra apenas a experiência passada e, adianto, ela não é suficiente para um mundo em constante mudança.

Uma singela homenagem para a cidade onde passei a infância.

Vento e esperança em uma trilha que encanta

A trilha instrumental composta pelo polonês Piotr Musiał traz a repetição, o trabalho duro, a máquina a vapor, o frio e o vento em seus acordes. Mescla sintetizadores eletrônicos com instrumentos de cordas para explorar a dureza da situação vivida pelos londrinos representando penúria, vida, esperança e, em certas faixas, uma ameaça climática crescente.

Se não me engano, quando Frostpunk foi lançado a única campanha disponível era “Um novo lar”. A trilha sonora original foi criada para esta campanha e cada faixa acompanha um novo “capítulo” da história que você vive. Ler o nome das faixas talvez seja um spoiler leve do que está para vir.

Outros trabalhos musicais de Piotr.

Mecânica e história sincronizadas

E por falar em integração de música com a história, o mesmo passa com a mecânica do jogo a narrativa. Fechei alguns Civilizations e o Alpha Centauri de Sid Meier. Joguei Sim City, da Maxis, na época em que vinha em caixinhas em gôndolas em 1992. Embora não tenha experimentado muitos outros títulos do gênero de gestão de cidades e civilizações, vejo o Frostpunk como uma mistura desses dois gêneros. Há de se cuidar da população e desenvolver novas formas de produção de recursos para lidar com as temperaturas baixas, mas, junto com isso, há a história e marcos importantes ao longo da partida.

Olhando meu passado, sinto que isso acontecia com certa frequência no Alpha Centauri, onde vez ou outra o game apresentava um texto, uma história conectada ao momento do jogo, mas ele não tinha uma implicação na mecânica do que aconteceria de lá em diante.

No Frostpunk a história e a mecânica conversam... Gritam uma com a outra, melhor dizer... Certas ações, como explorar o deserto gelado, levam a implicações na história que impactam diretamente a mecânica do jogo, elevando ou diminuindo a esperança e descontentamento da população, por exemplo. Ignorar esses essas variáveis pode trazer outros marcos na história da sua cidade – uma revolta, greve, chuva de gafanhotos (não, esse não).

Essa junção de história e mecânica convence e envolve. Aqui, fora dos bits dos games, vejo algo semelhante entre dados e o que os dados contam (ou deveriam contar) para o público. Um slide de apresentação com uma chuva de bullets (e aí não são balas não, são bullets mesmo) pode ser um convite para fugir com a mente para Nárnia. Contudo, quando bons argumentos e histórias se conectam ao dado duro e cru, mais fácil fica enxergar e ter empatia pelo que se apresenta. O dado sozinho, sem contexto, pode ser uma forma rápida e pouco eficaz de apresentar uma realidade caso não haja uma história que sustente essa visão da realidade.

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